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Foto do escritorJosé Lurker

Antes da queda

Atualizado: 20 de mai.

Tem 2 apps com que acompanho minha jornada pela sobriedade há algum tempo. Um deles é o SoberTool e outro é o SoberGrid, que infelizmente parece que vai ser descontinuado. Ele são diferentes entre si, tendo em comum um contador de tempo limpo e mensagens diárias sobre recuperação e adicção, além de fazer uma estimativa das perdas econômicas que você sofre. No SoberTool existem formas de você criar um diário, selecionar mensagens que mais te agradaram e um Forum onde trocar impressões, força, esperança e coragem. Bem, nesta última semana tive uma recaída brutal. Da primeira dose, direto ao inferno. Eu não sei parar, as únicas coisas que me fazem parar são a exaustão física - e sendo a cocaina uma droga estimulante - esta exaustão pode demorar a chegar - são 24, 36hs de uso praticamente contínuo da droga - o fim da droga ou do dinheiro. E não sou cauteloso - e nem imagine que tenha qualquer mínimo orgulho disso - é uma constatação: meu uso de cocaína é em doses industriais, colossais, já tive inúmeras overdoses, com risco de morte. Meu consumo se mistura com promiscuidade, o que acaba sendo um impulso a mais à compulsão e obsessão.

É melhor olhar um pouco para trás

Hoje, 5 dias depois do desastre, começo a ter uma mínima nitidez de pensamento e gostaria de contar algumas coisa. No App SoberGrid tem uma janela chamada My Progress. Você lê uma reflexão, escreve se se manteve limpo ou recaiu e comenta seu estado de espírito naquele dia, além de indicar que tipo de suporte (terapeutas, conselheiro, padrinho, etc) você costuma lançar mão. A ultima tarefa é comentar um post publicado por outra pessoa, como se fosse uma rede social. A lupa que quero colocar é sobre o My Progress. Ela é um termômetro sensível do seu comportamento cotidiano e de seu estado mental. Já observei que, olhando retrospectivamente , é relativamente fácil perceber o momento em que o comportamento começa a se modificar, os sinais de alarme começam a surgir de todos os lados. Nesta última recaída (lapso?) a primeira menção foi cansaço, depois estar fazendo coisas demais, depois mensagens com uma pessoa que poderia ser chamada de Ms. Relapse, com a qual mantenho uma apaixonada relação de amor e ódio, profundamente enraizada no consumo da 💉 droga. E eu troquei mensagens ao longo de alguns dias com ela.

Meu equilíbrio emocional, já imensamente comprometido, estava em frangalhos. Minha vida espiritual vazia. Já havia tentado me desconectar várias vezes, mas por mim mesmo ou por algum outro caminho a conexão se reestabelecia. E com quem eu falei a esse respeito? Com ninguém, óbvio.

Peça ajuda!

O modus recaída já dominava, é difícil admitir isso, mas eu já queria usar - por mais que eu escondesse de mim mesmo - era uma questão de oportunidade. Já se sabe que o adicto por vezes não consegue energia para cuidar de uma planta num vaso, mas dá a volta ao mundo 🌎 para conseguir droga. Equilíbrio emocional é fundamental para a manutenção da recuperação e da sobriedade. Eu já não tinha mais nenhum. E em uma noite (em que eu tinha compromissos agendados para o dia seguinte) eu saí às 4 da manhã de casa 🏠 direto para a boca do dragão. A primeira coisa foi usar, para em seguida chegar a conclusão que aquilo não bastava, que precisava mais, insanidade essa que se prolongou por 24 horas, telefone desligado, família desesperada, dinheiro jorrando ( o dinheiro que eu não tinha) e aquela incapacidade de pensar de forma minimamente racional. Todo adicto de cocaína sabe da relação de horror quando os pássaros 🐦 começam a cantar. Bem finalmente consegui vir para casa 🏠 onde permanecí destruído por 3 dias e hoje começo, outra vez, a reorganizar meu mundo 🌎 interno e o externo, este sempre mais difícil porque envolve o outro. Uma recaída é como um túnel escuro, iluminado aqui e ali por flashes e um ruído alto e silencioso, permanentemente. Um túnel onde você não vê mais a entrada. Nem a saída. Com frequência os adictos se referem à uma recaída como uma volta ao inferno. Se o inferno existe, deve ser algo parecido.


PS: mas se eu vi que meu comportamento já vinha rumo ao desastre, porque não parei e pedi ajuda? Este é uma das coisas mais intrigantes da dependência química.

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