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Foto do escritorJosé Lurker

Brique

Atualizado: 20 de mai.

Internações por dependência química também podem ser uma fonte de aprendizado e de vivências. Mas, cá entre nós, existem lugares melhores para novos aprendizados e vivências.

É igualzinho à droga: você pode aprender com as drogas. Os alucinógenos sempre foram considerados caminhos para transcendência - e qualquer um que tomou sabe o quanto são poderosos os efeitos destas drogas na mente. Talvez o uso clínico supervisionado ou ritualístico, possa dar um significado maior da experiência enquanto busca da sabedoria. Mas as drogas, em si, para o dependente químico, não são mais uma experiência nem um aprendizado. Tornam-se uma necessidade. A droga é um eterno pedido, nunca satisfeito. Nunca é o suficiente. E não ensina mais nada, somente o que é sofrimento e dor.

Perdeu, playboy

Então é isso. Você perdeu totalmente o controle de sua vida. Para todos os lados que olha, é sofrimento e destruição. O trabalho foi para o escambau. A família está atordoada e exausta. Os amores não suportam mais. A vertigem. O tempo que não existe mais - da maneira como conhecemos. Não tem mais dia, noite, hora ou lugar. São areias movediças que vão te tragando. Nem você se reconhece mais. Perdeu, playboy. Você acorda um dia, sem saber exatamente onde, pessoas ao seu lado, a família com os olhos tristes - não tem mais jeito, você vai para o hospital... Mas! Eu vou!.... uma picada no braço, a maca, a ambulância, as amarras. Tudo se passa de uma maneira opaca, meio sinistra. Você vai passando por salas, consultórios, revistas (não é revista para ler - você é revistado mesmo, de maneira mais ou menos humilhante), portas que se abrem e outras que se fecham. É, meu chapa, a coisa ficou feia para o teu lado.

Aqui, outra vez!

Os primeiros dias em geral são péssimos. Abstinência, mal estar, você não quer estar ali. Você foi preso. Aquele arremedo de liberdade, que você ainda - ingenuamente - acreditava que tinha, foi para o pau. O jogo aqui é outro, cara. Fica esperto. Passam-se os dias, você começa a comer, dormir e a poeira vai baixando. Conversa com os outros adictos, um dia você ri pela primeira vez - em séculos. E começa a entender que as pessoas não querem te foder. Elas querem te ajudar. E aquilo que parecia o inferno vai mudando gradualmente - inferno é a vida que você estava levando. Tive a sorte de ser internado em clínicas decentes - ouve-se horrores de muitos lugares, onde o adicto é tratado como lixo, muitas vezes com violência.

Escuta, Zé Ninguém!

E você ouve as estórias. A dependência química é democrática, e também o são as clínicas: tem gente de tudo o que é cor, tamanho, profissão, opção sexual, religião. Mas as histórias são parecidas, principalmente as perdas. As histórias trágicas das famílias. E a esperança que começa a ser alimentada com o passar dos dias: desta vez vai dar certo (tenho trauma disso, porque eu não dei certo tantas vezes. Hoje estou sóbrio e consigo entender perfeitamente porque "Só por Hoje"). Mas a adicção, particularmente à drogas, corre lado-a-lado com a contravenção. O alcoolismo é muito destrutivo, mas é um pouco mais pândego.

É só uma carreira

Nas clínicas se formam grupos. Tem os chefes, com seu séquito, que mimetizam o tráfico. A droga? Remédios. A Bupropiona, antidepressivo também usado para suporte no tratamento do tabagismo, tem supostas propriedades euforizantes, e o Metilfenidato, um análogo às anfetaminas, usado para TDAH, são moeda de troca nas clínicas. Os adictos desenvolvem formas de enganar os técnicos de enfermagem - e infelizmente às vezes existe conivência - e não engolir os comprimidos - que depois são trocados por roupas, tênis, bonés... já vi pessoas perderem praticamente toda a roupa. Isso é o Brique. Estes comprimidos são amassados e "pulverizados". Aí os caras fazem carreiras e cheiram. A Ritalina age no cérebro e o Bup é provavelmante somente um placebo. Mas o barato está na contravenção.... A maior parte das clínicas hoje são - ou deveriam ser - isentas do cigarro. Esta é outra valiosa moeda de troca. Mas o cigarro deixa vestígios. E às vezes todo mundo sofre a revista - e os quartos também. Os castigos variam de não ir para o pátio, não sair do quarto, não participar das reuniões... eu uma vez me ferrei porque um cara estava fumando no quarto que dividíamos e eu acabei entrando na onda porque não tinha dedado o cara. Enfim, tantas histórias. Guardo boas recordações também. Uma enorme solidariedade de quem divide o fundo do poço. As encrencas que os caras se metem. A volta no brilho dos olhos de pessoas que chegaram espiritualmente mortas. Uma hora dessas conto mais.

Psicopatas?

Não falei muito disso, mas a contravenção dentro das clínicas é uma realidade. Tem algumas pessoas que são verdadeiros psicopatas , que recriam o ambiente de tráfico e posam de poderosos do local. Frequentemente tem uma penca - jovens, em geral - de seguidores que os obedecem e procuram sua aprovação. O brique é comandado por estes caras, que muitas vezes tem múltiplas internações e se jactam de familiaridade com o crime. Como tem boa lábia, às vezes conhecem bastante de dependência química e com isso tem bom tráfego com a equipe técnica. Vangloriam-se de como usaram drogas. Cuidado! Estas pessoas podem tornar-se consultores em dependência química e passarem a trabalhar em clínicas, que se tornam uma espécie de modus vivendi dos caras. Geralmente são pessoas más, que humilham o adicto, olhando-os de cima, com uma suposta superioridade.

Bem, como tudo neste site, estas são experiências pessoais e não tem nenhum caráter científico. É que escrever sobre estas coisas me ajuda a ficar limpo. Só por hoje.



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