Casagrande e seus demônios
- José Lurker
- 17 de mai. de 2024
- 2 min de leitura
"É preciso estar atento e forte"
Gal Costa - Divino, Maravilhoso
Uma grata surpresa. Levei bastante tempo para ser seduzido para a leitura do livro biográfico do ex-jogador e comentarista esportivo Walter Casagrande - torcia o nariz pois julgava que o conteúdo era dramático e apelativo em relação à abordagem do papel das drogas 💉 na vida do Casão. Ledo e ivo engano. O livro é maravilhoso e me tornei fã de carteirinha do cara. Porque Casagrande é "o cara".
Drogas?
Sim, a questão das drogas perpassa todo o livro e é descrita detalhadamente, às vezes de forma crua e assustadora - e sua vivência foi assustadora. Mas mesmo no que tange à sua longa exposição à "vida louca", a coerência interna do livro se mantém: definitivamente não é melodramático - é realista. O livro foi escrito em colaboração com o jornalista Gilvan Ribeiro e portanto esbanja qualidade literária.
Casagrande sofreu com as drogas: alucinou, teve surtos psicóticos e overdoses, foi internado várias vezes - e internações duras e prolongadas, no melhor estilo Vigiar e Punir - , além dos graves impactos na sua vida familiar e social. Virou um fiapo, aquele gigante.
Mas o livro deixa qualquer torcedor - até palmeirenses e sãopaulinos fanáticos - um pouco corintianos. A história de Casagrande com o Corínthians é um casamento de uma vida inteira - com todas as turbulências de um casamento. E a história dele com o time é a história do futebol brasileiro contemporâneo. E um pouco da história do Brasil também.
Enfant terrible
Casagrande foi o enfant terrible do futebol brasileiro. E ainda conviveu de perto com o Dr. Sócrates, o que lhe trouxe muita riqueza vivencial, mas acentuou seu namoro com o lado obscuro da vida - Sócrates faleceu jovem, em decorrrência do alcooolismo, aos 57 anos. Casagrande fez política: Diretas Já, democracia corintiana, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores..... Roqueiro, vestia Havaianas viradas e camisetas do Led Zepellin para ir aos treinos. Ajudou na organização de uma maluquice de show em Marília com ninguém menos que o Raul "Maluco Beleza" Seixas. Até treta com o capo Vicente Matheus teve. Não é pouca coisa.
As histórias da adolescência na Penha são impagáveis, como a festa "O Inferno na Torre".
Portanto, sim. É um livro que fala de drogas. E Casagrande foi ao inferno com elas. Mas é muito, muito mais do que isso.
Recuperação
Curiosamente, seu caminho para a Recuperação - está sóbrio há uma década - foi essencialmente dentro do horizonte das abordagens psiquiátricas. Casagrande não frequenta grupos de mútua ajuda mas tem suporte de psicólogos e psiquiatras. Tem uma visão muito lúcida e aguda de sua condição. Foi corajoso ao assumir a dependência frente às câmeras da Globo, no Domingão do Faustão, com depoimentos da família e de seus filhos - cortando a própria carne.
Uma obra que vale a pena ser degustada, página a página. Maravilhosos registros fotográficos. No final, mesmo brigando com nossos demônios, todos viramos um pouco corintianos. Obrigado, Casagrande. Teu nome certamente não veio ao acaso.

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