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Foto do escritorJosé Lurker

Cocaína

Atualizado: 20 de mai.

"Parece cocaína / Mas é só tristeza"

Legião Urbana - Há tempos


Meu nome é J., sou um adicto, e só por hoje estou limpo. Eu abusei de muitas drogas - maconha, álcool - e experimentei de tudo: cogumelos, LSD, morfina, quetamina, diazepam, clonazepam, lorazepam, anfetamina, MDMA. Acho que a lista para por aí. Mas sempre foi a cocaína que me fez beijar a lona. Lembro-me da primeira vez que usei. Eu estava habituado à drogas cujos efeitos eram muito evidentes. Cheirei umas linhas com um amigo. Ele morreu de AIDS depois de algumas tentativas mal sucedidas de ficar limpo, por abuso de cocaína injetável - o "baque" e compartilhamento de agulhas e seringas. Triste. Ele uma ocasião me contou que havia feito tráfico de cocaína para pessoas poderosas nos anos 1980 em troca de algumas gramas. Na época glamurizávamos as drogas, achávamos que morrer antes dos 30 anos era o único projeto possível. Enfim. Não tive grandes sensações quando usei pela primeira vez, e a maior excitação era de experimentar cocaína. Importante lembrar que a cocaína, na época, era cara e muito pouco disponível. Comentava-se , à boca pequena, que fulano ou sicrano tinha acesso, alguns latino-americanos que estavam no país para estudar, um americano que morava na cidade. Uma droga misteriosa. A droga da elite. Festas regadas à champagne, com cocaína servida em bandejas de prata, aspirada em notas de U$ 100. Os artistas. Os milionários. Só escama de peixe ( dizia-se das droga mais pura, que emitia brilho à luz). Morei um tempo numa cidade do interior de .... e lá a disponibilidade da droga era enorme. "Nevava". Foram tempos de euforia. A conta seria paga depois. E sairia muito cara. Muidei para uma grande cidade e continuei usando múltiplas substâncias. Até o dia em que meu mundo caiu. Como dizia Renato Russo em Faroeste Caboclo "e pro inferno ele foi pela primeira vez". Eu também.

Vamos inundar o Brasil de cocaína

Ouvi dizer que o PCC fez uma negociação com os cartéis colombianos no início dos anos 1990: vamos inundar o Brasil de cocaína. Na época, eu estava limpo. Bem, não é bem isso. Depois de 2 anos limpo, após uma internação, eu havia voltado a beber fermentados e fumar maconha. Isso se prolongou por muitos anos. Mas fiquei afastado da cocaína. Uma noite - eu tinha me separado e estava morando sozinho, após beber um pouco ( na época não havia a lei seca ), eu dirigia para casa e passei nas imediações de uma favela. Um cara me acenou com algo que não pude identificar - "e aí, Joe, vai o quê?" . Obviamente fiquei curioso e voltei. "Quanto é? Dérreal. Me dá 1". Era pó. De excelente qualidade. Eles chamavam de dadinho, porque era tirado direto do tijolo. Tinha o Faustão também, que eram 5g. Aquele ano foi realmente louco. Terminei outra vez na clínica, pois comecei a usar a cada quinze dias, depois semanalmente, depois vários dia da semana, até que fiquei usando diariamente um ano sem parar, no final umas 7g por dia. Fiquei insano. Não comia mais , pouco dormia, numa espécie de vertigem permanente que não conhecia começo nem fim. Após uma viagem em que ficou claro para minha família o quão grave a situação estava, consultei meu psiquiatra num domingo e passei a usar dissulfiram, um antagonista do álcool, e parei de beber. Já tinha parado de fumar maconha há alguns anos. Por reatar um relacionamento, consegui permanecer sóbrio por 1 mês. Foi então que minha adicção mudou de característica: ao invés do uso cotidiano da droga, passei para outro jeito de usar: o binge, que significa o uso compulsivo e prolongado da droga, frequente com a cocaína e o álcool. E aí os desastres eram cada vez mais fragorosos: eu simplesmente não conseguia parar e gastava fortunas - há algum tempo, durante minhas intoxicações, eu me enfiava no basfond. Não vou entrar em detalhes, mas tudo de pior que você puder imaginar eu vivi. Centenas (sim, centenas) tentativas de parar de usar, mais de uma dezena de internações (bem mais) e acabava sempre recaindo. Dois casamentos destruídos, trabalhos perdidos, falência econômica, doenças - perdi o olfato por mais de uma ano (e coisas piores). Tentei mudança geográfica... Cheguei ao fundo do poço (será) ? Várias internações. Aqui vai uma nota: embora previsível, porque ninguém aguenta viver com um adicto na ativa - ou vive-se mal, muito mal - as separações, os finais de relacionamento são puro veneno para a maioria dos adictos. A recuperação precisa estar muito sólida para que consigam enfrentar estas situações de forma madura. A frequência com que se ouve em grupos de Mútua Ajuda "bem, eu terminei um relacionamento"ou "depois do meu divórcio/separação" ... e aí vem uma história de uma recaída muitas vezes brutal. Como sempre se fala, que bom que você voltou. Muitos não conseguem.

Uma luz no fim do túnel: A recuperação

Existe possibilidade de se recuperar do uso da cocaína? Sim, como de qualquer outra droga. As possibilidades são ridículas, algo em torno de 13%. Ou seja , 87% dos adictos (considerando o alcoolismo como uma adicção) vivem num vai e volta de avanços e retrocessos e muitas vezes perdem a batalha por uma ou outra razão. Alguns morrem. Outros nunca se recuperam. Nem tentam. Conversaremos sobre Recuperação de cocainômanos em outro momento. Mas já apontamos para uma Recuperação Holística. Outra vida. Fisicamente. Mentalmente. Espiritualmente. Sem estes (Doze) Passos, você não vai muito longe.




Esta imagem foi captada no Pinterest no perfil Ego of Stigma.

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