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Foto do escritorJosé Lurker

Crack

Atualizado: 20 de mai.

Felizmente eu nunca usei crack, exceto uma única ocasião que eu fumei um mesclado - ou pitico (que é um baseado misturado com crack) inadvertidamente. "Forte isso, hein?". O sujeito riu. Não entendi. Embora existam casos de pessoas que mantém relativa funcionalidade usando crack, é bem raro. O crack é uma droga altamente dependógena e que pode levar a pessoa à marginalidade em um prazo muito curto de tempo. Minha impressão é que o tempo para que isso ocorra relaciona-se meramente à classe social do dependente. Pobres, pretos e pardos, que moram nas periferias, muito rapidamente estão nas ruas vivendo de pequenos roubos, esmolas, prostituição. Embora as pessoas que frequentam a Cracolândia, em São Paulo, sejam provenientes de todas as classes sociais, a maioria esmagadora vem de extrações sociais baixas. É muito triste.

Zumbis?

A aparência dos usuários de crack é parecida. Pessoas muito emagrecidas, com perda de quase toda gordura corporal - o que se manifesta com aquele rosto encovado, as olheiras pelos muitos dias sem dormir ou descansar, as roupas miseráveis, o aspecto sujo. Não é à toa que as pessoas os chamem de zumbis ou ratos , o que demonstra o grau de marginalidade que atingem. As pessoas julgam. Tem nojo. A adicção é a doença do ainda. Qualquer adicto que se assuma como tal pode se enxergar naquela situação e sabe que o fundo do poço é ilusório: sempre pode piorar.

Uma impressão pessoal é que o vício em heroína ou crack, quando grave (e não precisa muito para se tornar grave) é algo excludente da ordem social (embora faça parte dela). São dois exemplos da adicção que habitam um mundo com uma ética e um comportamento singular. Incompreensível para quem não vive esta realidade, existe um sistema no caos. Mulheres e pessoas LGBTQIA+ vivem uma situação de marginalidade dentro da marginalidade. A prostituição é quase uma regra. Uma pedra, um tapa , cinco ou dez reais são o suficiente para um boquete ou uma transa. Aparentemente destituídos de qualquer prazer. Aliás, a falta de prazer parece ser a regra no crack - embora toda regra tenha excessões. Depois do primeiro soco no peito, é só a nostalgia deste "momento mágico": o que resta é dor, obsessão, compulsão, sofrimento, paranoia. O usuário de crack se emburaca: trancado em si mesmo, fuma uma pedra atrás da outra até acabar com tudo o que tem e, inicialmente, procurar à volta algum vestígio de droga. Não acha. Vai para a rua, a trotear atrás de mais droga. A tragédia começa. Primeiro passa a vender (e trocar) tudo o que tem pela droga. Rouba em casa, ameaça a família, manipula, troca roupas, trafica - enfia-se em situações complicadas com traficantes - apanha e pode ser até morto, como exemplo, por valores irrisórios. Já ouvi relatos de pessoas que trocaram freezers, carne, salchichas, privadas, janelas e - óbvio, televisores, celulares, por 2 ou 3 pedras de crack, consumidas em 10 ou 15 minutos.

O pecado mora ao lado

Minha maior proximidade com o Crack foi estar internado com usuários. Uma vez, eu estava em um quarto para 3 pessoas e ocupava a cama do centro. De cada lado, um dependente de crack. Excelentes pessoas, não tinham a aparência que habitualmente imaginamos: eram pessoas comuns. Logo que chegam à clínica, percebe-se um cheiro diferente - eles exalam um odor peculiar de algo que lembra óleo queimado. Percebi isso depois de um tempo. Compreendi isso depois de um tempo. Foram eles que me contaram em detalhes a vida dos usuários. Os horrores. A compulsão doentia, que nada mais consegue enxergar senão a brasa se extinguindo, as cinzas. Os dedos queimados. Os lugares sórdidos, cheirando à mijo e à fezes. Sombrios. Escuros. Vultos em torno. A paranoia. Nóias. Vendo a polícia em todos os cantos. Escondendo-se - alguém vai chegar - as sirenes, as vozes, tudo dá medo. Não é uma encruzilhada, é uma armadilha. É um beco sem saída.

Recuperação

Felizmente vi várias pessoas se recuperarem do uso de crack. Uma tarefa hercúlea. Só é possível um dia de cada vez. As irmandades de mútua ajuda fazem milagres. Uma frequência diária às reuniões parece-me fundamental. Boa parte destas pessoas precisam de longos períodos afastados da sociedade, em fazendas e centros de recuperação. A ideia de Deus - ou de um Poder Superior - é muito presente: muitos conhecem a Bíblia como a palma das mãos. Acho que a vida no inferno cria a necessidade de Deus. O crack é uma droga - tão maldita quanto qualquer outra, mas que uma tragada pode significar uma sentença de morte. Se você for um adicto, não chegue nem perto. Quem vai ganhar a parada é a droga. Sempre.



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