Recentemente tive uma recaída. Usei cocaína por 24 horas. Quase exatas 24 horas. Não preciso muito mais do que isso para que um tsunami passe por cima de minha vida, levando com ele tudo o que prezo em recuperação: minha sanidade, minha saúde, meu trabalho e principalmente a confiança das pessoas que amo, permanecendo somente um rastro de dor e sofrimento. Mesmo coisas materiais, cuidadosamente construídas, um dia de cada vez, no trabalho interminável de recuperação e reconstrução, no trabalho de reconstruir a própria vida. Uma vida que valha a pena viver, para si e para o outro. É neste lugar, onde se encontram o trabalho de recuperação e o outro, que nasce e se frutifica a espiritualidade, uma faceta essencial e fundamental da recuperação, pois sem ela, seja qual for o caminho escolhido, ele será frágil. Os alicerces? Não existirão.
Diferentes caminhos, uma única direção.
A espiritualidade, em recuperação, se manifesta de diferentes maneiras. Uma recaída sempre é algo lamentável. Mas precisamos olhar de frente, meticulosamente, para entendê-la, em detalhes. Para que possamos aprender alguma lição e, com sorte, não repetir os mesmos erros. Porque a adicção é a doença da repetição: repetimos mil vezes o mesmo erro, esperando resultados diferentes. E caímos, uma, duas, mil vezes. Quem sabe aprendemos na milionésima primeira? Mas eu olhei para trás e vi: evite lugares, pessoas e hábitos da adicção ativa. E o veredito: comecei a trocar mensagens com uma pessoa cujo caminho já estava traçado - droga. Então olhei um pouco mais para trás: cansado. Cansado. Sobrecarregado. Fazendo muitas coisas - coisas demais. Aí começou o problema. Foi isso que me tornou vulnerável.
A espiritualidade é algo a ser nutrido
É frequente afirmar-se que espiritualidade e religiosidade são duas coisas diferentes, no que concordo. O que não concordo é o estabelecimento de uma hierarquia entre elas - creio que se tratam de 2 forças diferentes, mas que podem convergir. É possível ser espiritualizado sem uma religião, mas não se concebe muito ser religioso sem estar em busca da espiritualidade. E o que isso tem a ver com a adicção? Seja através de uma espiritualidade "organizada", através de uma religião, ou através da nutrição de uma outra forma de espiritualidade, a recuperação necessita destes elementos como os seres vivos necessitam da água. Dizem que o corpo é nosso templo 🕍, e que ele deve ser tratado com cuidado e reverência. Talvez uma das maneiras mais agressivas de maltratar nosso corpo é fustigá-lo com a ação repetida das drogas 💉. Claramente esta é uma das maneiras mais bem sucedidas de autodestruição (....houve um tempo em que a autodestruição era algo romântico ou poético. Toda a poesia se desfaz frente ao horror que é o mundo 🌎 da adicção). Quando não levamos em conta nossos limites, quando esticamos a corda, quando não temos tempo para nutrir nosso espírito, ficamos vulneráveis. Quando não temos tempo para praticarmos os princípios espirituais - e este é o lugar em que a recuperação e a espiritualidade se encontram - no outro, naquele que está ao nosso lado, nos nossos familiares, nos nossos colegas, nos nossos companheiros, no adicto que ainda sofre. Os princípios espirituais devem ser vividos. Paciência. Tolerância. Boa-vontade. Mente Aberta. Aceitação. Honestidade. Humildade. E para tanto precisamos de tempo e dedicação. Precisamos nutrir nossa relação com um Poder Superior de nossa concepção, mas isso só será verdadeiro se vivermos cotidianamente, em nossas comunidades, segundo princípios espirituais.
Então consegui entender
....que meu espírito estava exaurido. Na ânsia de provar a mim mesmo e aos outros a solidez de minha recuperação, esqueci de um cuidado básico: cuidar de mim mesmo. Respeitar meus limites. Para quem não é dependente químico, tudo isso pode drenar para vários lugares: doença psíquica, desavenças, egocentrismo, problemas físicos. Mas para o adicto a direção é sempre a mesma. Talvez a ideia 💡 possa ser: trate aos outros como gostaria de ser tratado. Trate a si mesmo como gostaria de ser tratado.
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