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Eu não consigo parar

Atualizado: 20 de mai.

Todo adicto se interroga se tem uma doença ou uma fraqueza moral. Falta de vergonha. Pensa se na verdade não presta prá nada mesmo. Que é mentiroso, desleal, preguiçoso ou vagabundo. Que no fundo gosta disso. Do bas-fond. Da contravenção. Dos bordéis, dos botecos sujos, da noite e da escuridão. Isso até pode ter um pouco da verdade, pode até existir uma ideia de prazer nisso. Mas tudo termina - sempre - em sofrimento. Em dor. Em perdas. Em derrota.

Evite o primeiro gole

O Livro Azul do AA, em um de seus capítulos, fala da irracionalidade do alcoólico no que diz respeito à expectativa, sempre alimentada, de conseguir controlar a bebida. Da insanidade que antecede o primeiro gole. E isso vale para todas as adicções : a total incapacidade de controlar o uso da substância, uma vez tenha tomado o primeiro gole, dado a primeira tragada, cheirado a primeira linha, tomado o primeiro comprimido, e a lista vai ao infinito. Quando um adicto falar que não consegue parar depois que começou a usar, acredite. Ele não consegue. Ele está tomado pelo triângulo da auto-obsessão, como falam os Narcóticos Anônimos: O pensamento obsessivo - seu único foco é a droga; a compulsão - o uso desenfreado e sem limites da substância é a única coisa que o motiva; e o egocentrismo - nada, absolutamente nada importa, naquele momento, senão a droga. O adicto está dominado pela droga. Ele não responde mais por si. Somente Algo Maior do que ele pode tirá-lo desta situação. Este é o conceito de um Poder Superior das Irmandades de Doze Passos.

O que os olhos não veem

A questão é mais complexa do que parece. A intoxicação crônica pela droga leva a um estado mental permanentemente alterado. Isso leva a um engano, tanto do adicto como de quem convive com ele, que tudo parece estar bem. Ele - ou ela - não está sob efeito da droga naquele momento. Isso não significa que ele esteja normal ou que seu cérebro está funcionando normalmente. Boa parte das vezes isso é somente um intervalo para um novo episódio de uso. Isso significa que a maior parte dos dependentes químicos necessitam de uma abstinência total de qualquer substância que altere o humor por períodos prolongados para que o cérebro volte a funcionar normalmente. Pessoalmente tenho dificuldade em acreditar na redução de danos, exceto em algumas circunstâncias muito especiais (por exemplo, o fornecimento de seringas e agulhas para dependentes em lugares protegidos - particularmente de opioides; na perspectiva de redução da contaminação pelo vírus da hepatite, HIV ou infecções de pele e da corrente sanguínea e o uso ritualístico ou em ambientes assistidos de psicodélicos como uma alternativa terapêutica). O desejo de todo o dependente é que ele possa usar com controle - e uma das principais características de qualquer tipo de adicção é justamente a falta de controle. Creio que conceitualmente a redução de danos peca por superestimar a capacidade do adicto de conseguir uma mudança de longo prazo em seus padrões de consumo. Em suma, o adicto não só não consegue para de usar durante a intoxicação como também encontra-se vulnerável por período mínimo de 3 meses após o último episódio de uso - e raramente consegue fazer isso sem suporte. Não é à toa que o AA, o NA, o CA e outras irmandades sugerem 90 dias e 90 reuniões. Empiricamente eles perceberam o quão são vitais os primeiros 3 meses de abstinência para que o cérebro esteja minimamente equilibrado para que se inicie uma recuperação prolongada. Então, quando o adicto afirma: eu não consigo parar, acredite nele - é a mais pura expressão da verdade.



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