Adolescentes perdidos. Suas famílias também.
A série HBO Max, oferece muito...menos euforia. Oferece muita verdade, reflexão e uma boa dose de melancolia.
EUPHORIA, traz como protagonista a adolescente Rue, de 17 anos. Ela começou a usar os analgésicos do pai que tinha câncer. Depois, usando múltiplas drogas, foi perdendo rapidamente o funcionamento social e escolar. A série inicia com sua reabilitação. Mas Rue segue com recaídas constantes a cada contratempo emocional ou familiar. Rue tem traços claros de problemas psiquiátricos - provavelmente um Transtorno Bipolar - e, após a morte do pai, não recupera a estabilidade. Ao contar a história de Rue, a série traz a trajetória de um grupo de adolescentes, seus colegas de escola. Todos têm pais adictos, com desvios de conduta sexual, violência familiar ou simplesmente pais ausentes. E praticamente todos usam drogas lícitas ou ilícitas, ou dependem de alguma coisa que se repete: pedofilia, uma identidade diferente na rede social, um hábito, o tráfico, uma relação doentia. Há destaque para Jules, jovem trans por quem Rue se apaixona e em quem se apoia na busca de sobriedade. Jules também repete comportamentos danosos, sem saber porquê.
Rue conversa com seu padrinho
O melhor da série são os dois capítulos extras. Em especial o primeiro extra, intitulado "As dificuldades não duram para sempre", um longo diálogo entre Rue e seu padrinho no grupo de Narcóticos Anônimos. Ali o expectador mergulha na dor do dependente químico em sua essência: baixa autoestima, oscilação entre culpa e irresponsabilidade com seus atos, pensamentos de morte, desesperança no futuro, ausência de perspectiva de um papel social, e a visão dos momentos sob efeito das drogas, como os únicos onde há paz e alguma beleza no mundo. Rue ouve do padrinho Ali, que se não há fé em Deus, ou em alguma religião, há que se ter fé na poesia, e esperança no fato de duas pessoas sobreviverem às drogas e estarem vivas, numa noite de Natal chuvosa, conversando sobre um caminho possível. Belíssimo e profundo diálogo que ajuda na aproximação e no reconhecimento do que há de humano e comum entre os adictos e as outras pessoas. O que nos separa é um quase nada. Todos dependemos de algo.
Recaída
Nas expressões de Rue, se confirma o que Ali diz: “não há força maior do que a próxima dose”. Ela pensava em recair mesmo antes das decepções afetivas e perdas, e a pergunta: “por que você recaiu?” não tem resposta clara. É uma busca incessante de ver mais beleza, sentir calma e prazer. Uma força pulsante e constante, apenas em parte consciente, presente em todos nós, que nos move vida afora, em forma de desejos nem sempre claros. Quando uma droga entra nessa cadeia pulsional, é como se tivéssemos o objeto de desejo no bolso, pronto para ser usado. E o controle sobre as próprias escolhas se perde. Os outros objetos perdem importância, e o sujeito acaba escondido, de si e de uma sociedade preconceituosa. E não há psicotrópico conhecido que dê jeito. Nem internações.
O progresso de Rue e de seus amigos acontece, pela fala e pela encenação teatral de suas próprias vidas. Sua melhor amiga tinha uma pulsão positiva: escrever sobre o que observava em sua comunidade. A arte...mais uma vez socorre a vida e abre espaço para a escuta do “que queima por dentro...do que não tem governo nem nunca terá...do que não juízo”.
Carla C. é médica.
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