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Liberdade

Atualizado: 20 de mai.

E perdemos o controle sobre as nossas vidas

Ontem fui ao cinema com minha irmã. Um filme interessante, sobre o tráfico internacional de crianças, uma verdadeira tragédia que ocorre nos subterrâneos da sociedade. No final, voltando para casa, conversando com minha irmã, sobre uma situação que ela havia vivido durante o dia e que lhe provocou um grande impacto emocional, chegamos a uma questão com a qual todos lidamos, adictos ou não: a tentativa de controle das coisas, tanto internas, como externas. O Primeiro Passo em NA nos afirma : "admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis". Portanto, para um adicto em recuperação em irmandade de Doze Passos, a primeira coisa que precisamos fazer é sabermos e admitirmos que havíamos perdido o controle sobre nossas vidas, pelo uso abusivo e prolongado de qualquer substância ou comportamento. E se admitimos que não temos controle sobre nossa vontade, é claro que o controle sobre a vida dos outros não passa de uma ilusão. E aprendemos a coviver bem com esta questão, procurando ganhar, pouco a pouco, um certo controle sobre nossas vidas. Além disso, a incerteza é uma constante na vida e em áreas específicas da vida - e conviver com ela é um trabalho cotidiano e persistente. Mas o que isso tem a ver com a liberdade? Lembro que, para mim, liberdade, principalmente na adolescência, era fazer o que eu queria, na hora em que eu quisesse. Hierarquia, papéis sociais, autoridades, eu detestava tudo isso, e procurava na cultura e nas artes, os meus heróis, por coincidência, quase todos adictos - e a lista é longa: Henrique do Valle, Jack Kerouac, Bukowski, Beaudelaire, De Quincey, Raul Seixas, Modigliani, Pollock , Fernando Pessoa, e por aí afora.





Então eu me tornei um dependente químico

A verdade é que me tornei um dependente. E meu conceito de liberdade foi aos poucos se modificando. A adicção me colocou inúmeras vezes numa situação de total perda da liberdade, durante as internações. Numa clínica para tratamento de dependentes químicos você não tem dinheiro, carteira de identidade, profissão, e necessariamente precisa seguir os horários e as programações propostas - pode não seguir - mas estará sujeito à sanções -enfim, as ideias de fazer o que quiser, quando quiser, é uma fantasia que ficou no passado. Hoje, para mim, a liberdade é poder - e conseguir - fazer as coisas às quais me propus, no dia seguinte. Para tanto eu preciso ir dormir sóbrio - para acordar sóbrio no dia seguinte. E isso, definitivamente, não é coisa para iniciantes. E a questão da liberdade? Pois na conversa com minha irmã, acabamos conversando sobre estas coisas. Tenho uma orientação que leva em conta várias restrições, com as quais concordo, ou seja, houve um acordo entre eu, minha família e o psiquiatra. Não sair sozinho, exceto para trabalhar; não ter cartões de crédito ou débito comigo, carregar pequenas quantidades de dinheiro, somente para despesas simples, entregar a chave do carro e o celular à noite para alguém de minha família, a casa fica trancada à noite, com as chaves guardadas. E, por paradoxal que pareça, todas estas atitudes são para preservar minha liberdade. E isso pode demorar. Porque, em nossa adicção ativa nós machucamos, desrespeitamos, aterrorizamos nossas famílias e nossas amores com os nossos sumiços. É natural que eles tenham um tempo muito particular para lidar com a situação e adquirir confiança na pessoa outra vez. Mas é um processo delicado e que precisa ser compartilhado. A confiança precisa ser nutrida um dia de cada vez por todos os participantes deste verdadeiro pacto. O adicto precisa, sempre cercado de cuidados no sentido de preservar e colocar a recuperação como sua prioridade fundamental, precisa readquirir a confiança em si mesmo. Esta delicada equação tende a se resolver a medida em que a Recuperação se consolida. E o tempo? O tempo é o tempo de cada um e o tempo de Deus - o Poder Superior como você o concebe.



Fernando Pessoa "em flagrante delitro".



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