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Liberdade e adicção

"Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela."

George Bernard Shaw


A palavra adicto muitas vezes tem sua origem atribuída à palavra "escravo". Os dicionários sugerem outras origens, como "aquele se submete a ou que depende de; submisso, dependente, ou que é apegado ou afeiçoado; dedicado, devotado" e, em psicologia, "aquele que tem compulsão pelo uso de drogas ou por substâncias psicoativas; dependente". O dicionário afirma que a etimologia da palavra adicto vem do latim addictus, -a, -um, particípio passado de addico, -ere, aprovar, dar assentimento a, ser favorável, adjudicar, vender, consagrar, dedicar. A palavra escravo se refere à eslavo, em diferentes grafias, referindo-se aos povos nórdicos que eram escravizados pelos romanos.

Perda da liberdade de escolha

Porque, ao pensarmos em adicção, pensamos em escravos? Porque a adicção é uma doença caracterizada pela perda da liberdade. Carol Sonenreich, falecido psiquiatra romeno, emigrado para o Brasil, via no alcoolismo uma patologia da liberdade, conceito expresso no livro "O que os psiquiatras fazem". Ele observava no pensamento do dependente uma perda da capacidade de escolha entre beber e não beber : o dependente simplesmente não conseguia optar pelo não beber. Via também na doença um estreitamento do campo vivencial, onde o comportamento do alcoolista tendia a se confinar cada vez mais à situações onde ele teria possibilidade de beber, até o momento que este se tornava o único determinante: beber - ou usar outras substâncias.

Easy Rider

Hoje pela manhã surgiu, em minha timeline do YouTube, um fragmento do filme Easy Rider, referência da vivência hippie, beatnik, alternativa, dos anos 1960. Jack Nicholson representa um alcoólico, que pega uma carona com 2 motoqueiros, Peter Fonda e Dennis Hopper, que rodam nas estradas do Sul dos EUA, em direção à New Orleans, onde querem participar do Mardi Grass, uma espécie de festejo carnavalesco da cidade. O filme "...um marco na filmografia de contracultura, e a 'pedra-de-toque' de uma geração" que 'capturou a imaginação nacional', Easy Rider explora as paisagens sociais, assuntos e tensões na América da década de 1960, tal como a ascensão e queda do movimento hippie, o uso de drogas e estilo de vida comunal (Wikipédia)." A (contra)cultura hippie, propunha um conceito de liberdade que questionava "o sistema" e propunha uma liberdade "total", sem freios, fazer o que se quer, na hora que se quer. Representava isso: uma suposta liberdade que questionava uma sociedade organizada em regras e supressão da vontade e das decisões pessoais. O próprio cartaz do filme mostra isso - "um homem foi procurar a América e não a encontrou em lugar nenhum". Mas a contracultura tinha um calcanhar de Aquiles. A droga enquanto um dos motores desta libertação. E onde se buscava liberdade, se encontrou escravidão e morte. Quantos morreram atrás deste sonho de uma liberdade utópica?

A liberdade enquanto compromisso

A liberdade, para um adicto em Recuperação, se reveste de outros significados. Ela se enraíza fortemente no compromisso: compromisso consigo próprio, com seus companheiros adictos, com sua família, a sociedade, o mundo do trabalho. A pessoa, em processo de Recuperação, tem um compromisso: não usar nenhuma substância que lhe altere o humor (e aqui não estão contempladas os medicamentos prescritos pelos médicos, tomados de acordo estrito com a prescrição) um dia de cada vez , vivendo "só por hoje". Se não usar hoje, amanhã acordará sóbrio e terá a chance de ser livre. Como afirma o Big Book, quando fala em "daily reprieve" , 'O que realmente temos é um alívio diário que depende da manutenção da nossa condição espiritual. Cada dia é um dia em que temos de levar a visão da vontade de Deus - o Poder Superior, para todas as nossas atividades. Como posso servi-Lo melhor - e que seja feita a Sua vontade (não a nossa)'. A liberdade então se manifesta pela capacidade que temos de cumprirmos nossos compromissos e o que havíamos planejado para aquelas próximas 24 horas. O uso de substâncias traria o mesmo resultado para as mesmas atitudes: obsessão, compulsão e egocentrismo. E a presumida liberdade terminaria em fazermos o que não queremos fazer e arcarmos com as suas graves consequências, que por fim podem ser Cadeia, Clínica e Caixão - os 3 Cs. Portanto, a liberdade para um adicto em Recuperação é conseguir ser fiel às decisões que tomou em sobriedade e conseguir percorrer ao longo seu dia ( sim, e falamos de futuro, que se constrói na consistência do presente) num propósito de construção de sua vida, um dia de cada vez, cumprindo o que planejou - sendo bondoso consigo próprio e útil à sociedade.




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