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Literatura e Drogadição

Atualizado: 20 de mai.

"Meu amigo, vamos sofrer,

vamos beber, vamos ler jornal,

vamos dizer que a vida é ruim,

meu amigo, vamos sofrer."


Carlos Drummond de Andrade


A literatura forjou minha adicção? Sim e não. Seria muito simplista imaginar que um único determinante pudesse gerar um problema tão complexo como a adicção, considerada uma doença multifatorial por excelência. Por multifatorial quero dizer com determinação genética, cultural, comportamental, psicológica e neuropsiquiátrica, com complicações de ordem física, familiar, social e espiritual.

Olha para o céu, Frederico

Mas ao longo de minha adolescência e juventude, eu era um leitor compulsivo. Estranhamente (ou não?) desde cedo eu me interessava pelos "malditos" da literatura. Quem eram estes malditos? Os loucos, os desatinados, os atormentados, os desviantes... Entre eles os bêbados, os drogados. Li muito cedo O médico e o Monstro, de R.L. Stevenson e me identifiquei profundamente com o personagem - tanto Jeckill como Hyde. Lembro-me da leitura de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, que falava no Soma, a droga que aquietava e amansava as multidões, mantendo desta maneira o status quo e qualquer manifestação de rebeldia distantes daquela sociedade rigidamente hierarquizada e perfeita. Carlos Castañeda e a Erva do Diabo .... Deus, aquilo me lançou em outro mundo. Certamente me colocou frente à (quase) certeza de que eu encontraria respostas para perguntas que tanto me atormentavam nas drogas.

Uma lista (quase) infinita

Mas impressiona a frequência da toxicomania na literatura. Poetas, romancistas, qualquer gênero literário estará bem representado... Gostaria de uma pequena lista? Vamos lá. Os Poetas? Beaudelaire. Álvares de Azevedo. Henrique do Valle. Leminsky. Dylan Thomas. Bukovsky. Rimbaub. Verlaine. Fernando Pessoa. Boccacio. Allen Ginsberg. Vinícius de Moraes. Mario Quintana. Romancistas? Hemingway. Fitzgerald. Edgar Allan Poe. Jack Kerouak. William Burroughs. Faulkner. Raymond Chandler. Dashiel Hammet. Ruy Castro. Truman Capote. Jack London. Lima Barreto. Graciliano Ramos. João Ubaldo Ribeiro. Caio Fernando Abreu. E as mulheres? Hilda Hilst , Clara Averbuck, Marguerite Duras, Dorothy Parker.

Com a cabeça nas nuvens

E a lista pode aumentar, se fizermos um pouco mais de esforço. Muita discussão já houve acerca de criatividade e alcoolismo. Se a influência é negativa ou positiva. Uma discussão que provavelmente não vai chegar a lugar nenhum. O trágico é que uma parte significativa destes artistas morreram em decorrência da dependência química. E provavelmente milhões de escritores e poetas anônimos sofreram os horrores da doença, às vezes num triste processo de identificação com seus ídolos, fato que pode ter levado à destruição paulatina de suas vidas e das pessoas com quem viviam.

Bebendo do próprio veneno

Mas, enfim, respondendo à questão que coloquei no início deste texto. Eu li praticamente todos estes autores que listei . Certamente suas obras e suas vidas influenciaram minha visão de mundo em uma fase tão precoce de minha existência (hoje se sabe que o cérebro adolescente é muito sensível, do ponto de vista neuroquímico, às drogas psicoativas). Mas, para o bem ou para o mal, fizeram parte de minha vida. Hoje, um dia de cada vez, em busca de Recuperação, eu pelo menos posso refletir a respeito. Para ser bem sincero, aprendi muito com estes malucos.




Como sempre, a imagem do vinho romantiza a relação das pessoas com a vida. Talvez as coisas não sejam bem assim. Nem tudo é tão romântico. Nem tudo é tão bonito.


Convite Triste


Meu amigo, vamos sofrer,

vamos beber,

vamos ler jornal,

vamos dizer que a vida é ruim,

meu amigo, vamos sofrer.


Vamos fazer um poema

ou qualquer outra besteira.

Fitar por exemplo uma estrela

por muito tempo, muito tempo

e dar um suspiro fundo

ou qualquer outra besteira.


Vamos beber uísque, vamos

beber cerveja preta e barata,

beber, gritar e morrer, ou,quem sabe?

beber apenas.


Vamos xingar a mulher,

que está envenenando a vida

com seus olhos e suas mãos

e o corpo que tem dois seios

e tem um embigo também.


Meu amigo, vamos xingar

o corpo e tudo que é dele

e que nunca será alma.


Meu amigo, vamos cantar,

vamos chorar de mansinho

e ouvir muita vitrola,

depois embriagados vamos

beber mais outros sequestros

(o olhar obsceno e a mão idiota)

depois vomitar e cair

e dormir.


Carlos Drummond de Andrade em Brejo das Almas

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