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O cérebro do adicto e a ecologia

Atualizado: 23 de mai.

"Quando você sentir que o céu está ficando muito baixo, é só empurrá-lo para cima."

Ailton Krenak


Comorbidades psiquiátricas são quase a regra nas adicções. Transtornos do espectro bipolar, déficits de atenção, ansiedade, esquizofrenia e psicoses, e a lista se extende, talvez até exageradamente. Exagero? Sim. Parece ser boa prática psiquiátrica não se proceder a nenhum diagnóstico antes de, no mínimo, 3 meses de abstinência, idealmente 6 meses. Aí talvez possa se começar a ter uma noção de doença psiquiátrica concomitante à adicção. Isso não é algo simples: em boa parte das internações (até por desintoxicação), particularmente em clínicas de orientação psiquiátrica, o adicto depois de alguns dias já tem diagnósticos e já usa medicamentos específicos. Isso é diferente de usar medicamentos para lidar farmacologicamente com questões relativas à abstinência e aos primeiros tempos da vida sem drogas, onde a pessoa fica deprimida, ansiosa, inapetente, não dorme direito, sente umas coisas esquisitas, está triste e envergonhada. Parte destas coisas podem ser aliviadas com remédios e tendem a melhorar com a passagem dos dias. É um quadro de sofrimento psíquico agudo.

Expectativas

A médio prazo, problemas. Talvez a pesssoa não precise de boa parte daqueles remédios e sim de intensivas intervenções psicossociais. Remédios provocam efeitos adversos. E 2 problemas graves: embora o uso regular de medicamentos devidamente prescritos pelos médicos seja essencial em qualquer tratamento, psiquiátrico ou não, nem sempre as prescrições obedecem a uma racionalidade. Ou seja, talvez adictos tomem remédios demais e depositem excessivas expectativas em seus resultado terapêuticos. E o problema ainda maior: supervalorizam os diagnósticos psiquiátricos, deixando de focar em seu problema maios candente: a doença da adicção. "Sou bipolar! Tenho TDHA!". Enquanto deveria pensar: sou um adicto e talvez possa ter outros problemas. E esta supervalorização do diagnóstico psiquiátrico pode acabar sendo um tiro pela culatra. Já existe um diagnóstico psiquiátrico: a adicção.

Um território devastado

E diagnósticos psiquiátricos são quase sempre acompanhados pelo uso de fármacos. E aí é que entra a ECOLOGIA do cérebro do adicto. Estas suposições são minhas. O cérebro do adicto não é uma mata virgem. Ao contrário: é um caos ecológico. Tem áreas de mata ainda preservada, verdadeiros desertos, diques e contenções - muitas vezes já abandonados, que acabam somente por empoçar águas e miasmas... Tem aquela plantação nova, que está começando a germinar e recebe uma enorme carga de agrotóxicos.... Esta metáfora faz sentido: quantos agrotóxicos, em doses cavalares, impuros, foram derramados naquele cérebro já tão sofrido, naquela floresta já tão agredida e vilipendiada? E estamos falando de um cérebro com alguma vegetação preservada. Tem o cérebro urbanoide, este já tomado de asfalto e concreto e esgotos e falta de ar puro e de luz. Como revitalizar os parques e as praças, trazer de volta as árvores e as flores? Tarefa hercúlea, que só pode ser realizada um dia de cada vez.

Vá com calma, mas vá

Então você pega este cérebro doente, desmatado, com risco de incêndios, e entope de remédios. Eles não vão funcionar como em um cérebro normal. Por isso, os diagnósticos e as prescrições de psicofármacos para adictos deve ser parcimoniosa, cuidadosa, minuciosa. Tudo, menos intempestiva. O que receio ser mais a regra do que a excessão. Importante: o uso de medicamentos na abordagem das adicções é essencial - este não é de forma alguma um libelo contra o uso de remédios em dependência química. É somente um chamado à razão. Digo isso com alguma base: tomo remédios psiquiátricos há décadas e conheço um pouco de suas vantagens. E de seus problemas.

Mens sana in corpore sano

A última questão: o cérebro não é servido em uma bandeja. O cérebro está firmemente (pelo menos esperamos!) enraizado no corpo. E este corpo precisa ser cuidado. A ecologia cerebral só será adequadamente cuidada se sua nutrição e hidratação forem suficientes e equilibradas. Para mim existe uma regra: o que faz bem para o coração, faz bem para o cérebro. Alimentação equilibrada, sono reparador, atividade física, cuidados com as doenças crônicas (pressão alta, diabetes, obesidade,...), cessação do tabagismo, são essenciais para a sustentabilidade cerebral. Então, para cuidar da sofrida ecologia cerebral do adicto, temos que cuidar do corpo. O aforisma mens sana in corpore sano nunca fez tanto sentido.



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