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Onde Está meu Coração

Atualizado: 10 de nov. de 2023

"Mora na filosofia/pra que rimar amor e dor?"


A pergunta musical de Caetano perpassa a história de Amanda, jovem médica e dependente química, na série "Onde está meu coração?"

Como e por que rimar amor com dor? A busca de respostas, talvez seja a luz no difícil percurso de quem convive com a dependência química. Amanda é a filha mais velha de um casal amoroso, em uma família funcional, até a morte do filho caçula, que tinha o nome do pai, Davi. Mas quem levou a herança genética para adicção (Davi, o pai, é um dependente de álcool em recuperação), além da profissão médica, foi Amanda. A morte do irmão parece ser o gatilho inicial de sua jornada buscando paz e fugindo da culpa - situação frequente em famílias que perdem crianças e jovens.

Os laços da família são profundos e amorosos, mas insuficientes para aplacar a dor da perda. Todos se amparam na mãe, Sofia, a figura mais forte e estável. A irmã Júlia se apega a outra dependência, a religiosa, impondo a si sacrifícios extremos. Júlia pratica o amor cristão com todos, exceto com a irmã.



Os flashbacks de um tempo anterior à perda de Davizinho, acompanhados de uma belíssima e suave trilha sonora, apontam o momento de ruptura e desorganização da família. Falam de saudade, da segurança e da paz perdidas.

O roteiro traz as várias recaídas de Amanda e Davi, nas quais os gatilhos são sempre momentos de crise afetiva. Como médicos, são bons cuidadores feridos. A história traz também os autoenganos, as seduções do dependente químico quando sóbrio e a dificuldade de deslocar a pulsão psíquica para outros objetos de desejo depois que uma substância psicoativa invade e comanda as escolhas e os relacionamentos. E a dor de toda a família, que apesar de tudo, permanece unida, tentando harmonizar a rima de amor e dor.

Ao final, Amanda aponta caminhos de esperança: a partilha com outros dependentes químicos, um plano de cuidados psiquiátricos e sim, o amor de alguém, que consiga a rima na maior parte do tempo. Desse tripé, o último talvez seja o mais complexo. Como conviver com alguém que se ama, equilibrando o amor com a dor de assistir tantos momentos de entrega a um poder gigante e destrutivo? A personagem da mãe, que não desiste, não é irreal. Essas mães estão mundo afora, perto e longe de nós. E os poetas também...

Já disse o poetinha bebum Vinicius: "para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrados/para chorar e fazer chorar/ para enterrar os nossos mortos (...) assim será nossa vida: uma tarde sempre a esquecer(...) pois para isso fomos feitos: para a esperança no milagre/ para a participação na poesia/para ver a face da morte - de repente nunca mais esperaremos."


Carla C. é médica


PS: a criação da série é de George Moura e Sérgio Goldenberg, 2021.





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