"A psicanálise pode ser tudo, menos complacente com nosso profundo desejo de iludirmos a nós mesmos."
Renato Mezan
Um olhar holístico sobre as adicções. Tenho a ideia de divulgar várias perspectivas sobre a adicção aqui no blog. Não sou especialista em dependência química. Sou um adicto com uma doença grave, e por acaso sou um profissional da área da saúde. Já passei por inúmeras modalidades de tratamento e tenho uma opinião pessoal a respeito de algumas delas. Frisando: é uma opinião pessoal. A psicanálise tem uma relação ambivalente com a dependência química: alguns acreditam que não é uma ferramenta terapêutica adequada, outros que pode colaborar de uma maneira decisiva na mudança de atitude do adicto perante si mesmo e o seu sofrimento. Claudio Wacs é argentino, psicanalista, radicado no Brasil, que escreveu sua tese "O fim da picada", onde procura explorar estas fronteiras. Sérgio de Paula Ramos, psiquiatra em Porto Alegre, uma autoridade em dependência química, também tem formação em psicanálise e tem uma opinião sobre a visão da psicanálise na abordagem da dependência química. É interessante porque a psiquiatria tem visões divergentes da psicanálise no que tange à adicções e uma perspectiva que busque congregar estes olhares é bem-vinda.
Só por hoje
Tenho uma opinião bastante pessoal a respeito. A psicanálise pode ser uma excelente ferramenta para um adicto em Recuperação. Ou seja, sóbrio. E com uma sobriedade sustentada. Como boa parte das pessoas, em particular daquelas que são vitimadas por sofrimento psíquico, a psicanálise oferece de possibilidades de uma compreensão maior deste sofrimento e dos recursos que ela mesmo dispõe para enfrentá-los. O adicto pouco conhece a si mesmo - e conhecer-se pode ser uma necessidade para uma vida mais consciente. A adicção se distancia da consciência. Ela está muito mais próxima da insanidade.
Lei seca
Mas o adicto na ativa pouco pode ser ajudado pela psicanálise (na minha opinião). É melhor ir no grupo de mútua ajuda, procurar um profissional de saúde mental com experiência no manejo da adicção para que consiga parar de usar drogas. E consiga permanecer limpo.
Hoje ouvi um podcast com a psicanalista - e estudiosa das toxicomanias (que é a expressão que a psicanálise prefere) - Luciana Saddi. E a impressão que fica é a seguinte: ao falar do uso consciente da bebida e das drogas - e portanto de sua relação com o consumo de outras substâncias e comportamentos compulsivos - a abordagem tem bastante relevância. A visão do impacto da Pandemia no padrão de consumo de substâncias é bem interessante. Mas, em se tratando de um dependente químico mais grave, as sugestões tem limitações. Eu não tenho a menor dúvida: para dependência química (se a pessoa já ultrapassou este umbral) a abstinência completa é, inquestionavelmente, a única saída. O resto são variações em torno da doença - e entra aí a tão controversa redução de danos. Uma hora vamos conversar sobre isso. Uma informação que o podcast fala, que creio improcedente: a ineficácia da Lei Seca , por se tratar de uma política de proibição. É uma afirmação leviana. A Lei seca teve um enorme impacto no trânsito e no comportamento das pessoas ao volante. Foi um enorme avanço no processo civilizatório brasileiro.
Comments