A adicção é considerada um problema que afeta pessoas jovens.. Não é o que diz um artigo recentemente publicado na prestigiosa revista médica britânica chamada The Lancet. O artigo, cujo nome poderia ser traduzido como "um cuidado afetuoso para idosos portadores de transtorno por uso de substâncias", explora as múltiplas facetas do uso de substâncias psicoativas por pessoas com mais de 65 anos. E são muitas peculiariedades. Do ponto de vista epidemiológico, a epidemia pelos opióides nos EUA fustiga a todas as faixas etárias, inclusive com um risco de overdose e morte por overdose provavelmente maior em idosos. Existem duas "apresentações" da adicção em idosos: os adictos que envelheceram, muitas vezes com uma vida transpassada pelo uso de drogas - e acreditem que sei bem o que é isso - e a adicção que surge, ou se manifesta, na velhice. O velho adicto não é diferente de outros velhos: costuma ter vários problemas de saúde, toma muitos remédios, pode ter problemas para enxergar e para ouvir, tem dificuldades de locomoção... ou seja, sobre este pano de fundo, você coloca um pouco de drogas - sejam estimulantes, opiáceos, maconha, álcool ou psicodélicos - e a tragédia está anunciada. O maior risco de problemas cardiovasculares com estimulantes como a cocaína e a metanfetamina, risco de problemas cognitivos, quedas e delirium com álcool, maconha e opióides, sem esquecer de drogas receitadas, como benzodiazepínicos, drogas ZZZ e outros sedativos, que muitas vezes acabam sendo utilizadas em desacordo com a prescrição médica.
O que faz um velho abusar de drogas?
O arquétipo do velho bêbado está presente na literatura, no cinema e na esquina. Basta pensarmos um pouco e vamos lembrar de um bêbado folclórico que andava pelas ruas falando sozinho, dormindo na calçada e levando tombos - motivo de troça e reprovação. Dificilmente passava pela cabeça das pessoas que o que viam era uma pessoa doente, que provavelmente, em sua solidão, lidava com sentimentos de desespero, horror, vergonha e medo. Trêmulo, acordava em busca de mais uma dose para enfrentar a abstinência e tentar tocar a vida em frente. Um dependente químico de drogas ilícitas, quando envelhece, é visto como alguém que não tem mais jeito, que ficou assim porque quis, vamos ver se agora aprende... e coisas do gênero. Velhos adictos muitas vezes chegam à velhice e tem seus problemas agravados pelas perdas, pela solidão, pelo luto ou dor crônica. As mesmas razões podem criar uma dependência em uma pessoa idosa que se defronta com as crescentes vicissitudes da velhice.
O que significa um cuidado afetuoso, então?
Pode-se imaginar que o cuidado médico a estas pessoas é crivado de julgamentos e preconceitos. O que os autores do artigo propõe é uma mudança de paradigma na atenção aos idosos portadores de dependência química, reconhecendo-a como uma doença e oferecendo a abordagem e o tratamento (se possível) baseado nas atuais evidências.
"A combinação do envelhecimento e do uso progressivo de substâncias psicoativas, incluindo o uso indevido de medicamentos psicotrópicos prescritos, cria um problema crescente de saúde pública. Um número cada vez maior de idosos em todo o mundo corre o risco de sofrer prejuízos devido ao uso de drogas no contexto de alterações fisiológicas associadas à idade, fatores sociais, aumento da comorbidade e polifarmácia."
Vale a pena dar uma olhada no artigo citado. Talvez isso traga um pouco mais de luz para esta intrigante questão do envelhecimento e toxicomania.
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